O fado, esse malandro e vadio Ó Júlia, olha que é tarde, toma cuidado Leva o teu xaile traçado porque de noite faz frio
Ó Júlia, andas com a noite na alma Tem calma, ainda te perdes p'ra aí Ó Júlia,se estás de novo vencida Não queiras gostar da vida que ela não gosta de ti
Não fales coração, tu és um tonto sem razão, Viver só por se querer não chega a nada Aceita a decisão que os fados trazem ao nascer Todos nós temos de viver de hora marcada
Se Deus me deu a voz, que hei-de eu fazer senão cantar O fado e eu a sós queremos chorar Eu fujo não sei de quem, talvez do mundo ou de ninguém Talvez de mim, mas oiço alguém dizer-me assim
Não passes com ela à minha rua (Fado Alberto)
Ao fim de tantos anos de ser tua
Amaste outra, casaste, foste ingrato Vi-te passar com ela á minha rua Abracei-me a chorar ao teu retrato
Podia insultar-te quando te vi Ferida neste amor supremo e farto Mas vinguei-me a chorar, chorei por ti Por entre as persianas do meu quarto
Casaste, sê feliz, Deus te proteja Não te desejo mal, e tanto assim Que não tenho ciúmes nem inveja Como a tua mulher teve de mim
Mas olha meu amor, eu não me importa Antes que fosses dela, eu já fui tua Podes sempre bater á minha porta Mas não passes com ela á minha rua
Quando ele passa, o marujo português Não anda, passa a bailar, como ao sabor das marés Quando se jinga, põe tal jeito, faz tal proa Só para que se não distinga
Se é corpo humano ou canoa Chega a Lisboa, salta do barco num salto Vai parar à Madragoa ou então ao Bairro Alto Entra em Alfama e faz de Alfama o convés Há sempre um Vasco da Gama num marujo portugués
Rosinha dos Limões Quando ela passa, franzina e cheia de graça, Há sempre um ar de chalaça, no seu olhar feiticeiro. Lá vai catita, cada dia mais bonita, Com seu vestido, de chita, tem sempre um ar domingueiro.
Passa ligeira, alegre e namoradeira, E a sorrir, p'rá rua inteira, vai semeando ilusões. Quando ela passa, vai vender limões à praça, E até lhe chamam, por graça, a Rosinha dos limões.
Quando ela passa, apregoando os limões, A sós, com os meus botões, no vão da minha janela Fico pensando, que qualquer dia, por graça, Vou comprar limões à praça e depois, caso com ela!
Já nem sei de quanto fiz Se foi Deus ou se fui eu Deu-me alegrias e pranto Mas esta voz com que canto Foi o vento que me deu
Deu-me tudo, deu-me tanto Mas esta voz com que canto Foi o vento que me deu
Foi o rio e suas águas Que me ensinou estas mágoas A saudade, foi o mar Mas meu canto, meu sustento Foi o vento, foi com o vento Que eu aprendi a cantar
Mas meu canto, meu sustento Foi o vento, foi o vento Que me ensinou a cantar
O vento passa por mim Por isso é que eu canto assim Mas, meu Deus, faça o que eu faça Quer seja brisa ou levante Que eu saiba, sempre que cante Ser voz do vento que passa
Hei-de ser brisa e levante Hei-de ser, sempre que cante, Apenas o vento que passa.
Gato Escaldado
Mais de uma vez prometeste
Levar-me de braço dado
Por Alfama a passear Eu esperei, tu não vieste - Ficou velho e desbotado O vestido por estrear
Vezes sem conta juraste Dançar comigo no baile Às portas da Mouraria, Eu fui, mas nunca chegaste - Sabem as pontas do xaile Como chorei nesse dia
Vezes sem fim sugeriste Ouvirmos fados juntinhos Num beco do Bairro Alto, De todas elas mentiste E eu gastei por maus caminhos Os meus sapatos de salto
Hoje vens para me propor Casarmos na Madragoa Como eu sempre te pedi, Não pode ser, meu amor - Já sabe meia Lisboa Que eu não acredito em ti.